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ENTREVISTA
REVISTA CRÉDITO AGRÍCOLA
temos sido capazes de controlar a pandemia.
Como falávamos há pouco, devemos seguir por
aqui, neste caminho de construção da imunidade
de grupo com infecção natural, mas com muito
cuidado para não deixarmos descontrolar.
Nova Iorque foi apanhada de surpresa – o lado
positivo num contexto muito complicado
é que a imunidade populacional já está nos
20%. Agora, podemos olhar para Nova Iorque e
tentar perceber, com aquele grau de imunidade,
quais as medidas que têm de ser tomadas e
que permitem, até, abrir a economia – com as
devidas cautelas, é certo. Depois, há países com
grandes problemas de estrutura social, e que
estão a sofrer fortes impactos, como é o caso do
Brasil. As culturas – e estou já a pensar na Suécia
nesta equação – são todas diferentes e temos de
respeitar a diversidade. É muito fácil apontar o
dedo… Pergunto: a situação sueca é pior do que
aconteceu em Espanha, no Reino Unido ou em
Nova Iorque?... Somos todos diferentes e ninguém
estava preparado. Em termos científicos, a opção
da Suécia fazia todo o sentido ao apontar para
algum controlo na disseminação do vírus, algum
distanciamento social, protegendo os grupos de
risco e construindo uma imunidade de grupo.
Só que não correu tão bem como os suecos
esperavam… Seja como for, ainda é cedo para tirar
conclusões – no fim da pandemia, logo se verá.
Dentro dos mesmos pressupostos,
a opção tomada pelos ingleses era, de facto,
mais arriscada, porque as cidades são muito
maiores e incomparavelmente cosmopolitas
– tudo a complicar. Mas na realidade, ninguém
estava preparado. E a melhor maneira de nos
prepararmos para as próximas pandemias é…
evitá-las.
A segunda vaga da pandemia parece
ser consensual, um dado adquirido
– não sabemos é quando chegará…
Quer comentar?
Como virologista, devo dizer que o potencial
pandémico é agora maior do que nunca. A razão
é muito simples: neste momento o vírus está
disseminado e, na melhor das hipóteses, só
temos cerca de 3% da população imunizada. O
que significa que 97% da população portuguesa
está susceptível. Então, se sabemos que existe
um vírus pandémico em que uma grande
parte da população ainda não está imunizada,
ao promovermos o desconfinamento e a
consequente abertura da sociedade, que é
Imaginando
o melhor
dos cenários,
a vacina poderá
demorar 12
a 18 meses.
E como nós
não podemos
ficar em casa
por tempo
indeterminado,
temos de
optar por outra
solução: a
construção
da imunidade
da população,
controla-damente,
com proteção
máxima dos
grupos
de risco. Esse
é o caminho
– não há outro
vital, aumentamos a probabilidade de uma
segunda vaga. O que é importante é que a
dimensão dessa segunda vaga seja controlada
e os grupos de risco sejam protegidos. A minha
interpretação daquilo que é o conhecimento
dos vírus e a sua capacidade de disseminação
leva-me a deixar o alerta: o regresso à
normalidade sem prudência poderá ter custos
muito altos.
No essencial, concorda com a forma
como tem sido conduzida a gestão
desta crise em Portugal? O que faria
diferente?
Em retrospectiva, seria muito injusto dizer que
teria feito algo diferente…
Bulgária, Israel e Nova Zelândia são,
até aqui, três exemplos de gestão bem-
-sucedida da pandemia. Que lhe parece?
Acho que acabaram por beneficiar do exemplo
português. Em boa verdade, nem aqui, nem
nesses países, houve um milagre. Sobre o
nosso segredo, há dias em declarações à BBC
apontei o timing – a pandemia chegou cá mais
tarde do que a Itália e a Espanha –, o bom
comportamento dos portugueses e o facto de
acreditarmos na ciência. Vejamos: Portugal
é um país com longa tradição de navegação,
geografia, cartografia, matemática. Ou seja,
somos um país de ciência. Que acredita e
confiança na ciência. Acresce, naturalmente, a
resposta do SNS e as nossas competências em
toda a linha de intervenção face à pandemia.
Em relação à vacina, quais são
objectivamente as suas expectativas?
Já foram muito baixas, agora são um pouco
mais altas. Seja como for, eu diria que se
houvesse agora uma terapêutica e uma vacina,
seriam ambas relevantes, sendo certo que a
vacina era obviamente a mais relevante das
duas. Dito isto, mesmo que não houvesse
vacina, a terapêutica já seria muito importante.
Imaginando o melhor dos cenários (e para
já, não há certeza absolutamente nenhuma)
estima-se que, no mínimo, poderá demorar 12
a 18 meses. E como nós não podemos ficar em
casa por tempo indeterminado, temos de optar
por outra solução: a construção da imunidade
da população, controladamente, com protecção
máxima dos grupos de risco. Esse é o caminho
– não há outro.