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ENTREVISTA
REVISTA CRÉDITO AGRÍCOLA
generalidade das pessoas, cuja ansiedade é
natural e legítima, exige respostas definitivas, e
eu entendo isso. Uma jornalista perguntava-me,
hoje mesmo, se o vírus é ou não transmitido
pela água. E eu respondi: pode ser transmitido
pela água, mas esse não é o principal meio de
transmissão – nem a água do mar, nem a água
da piscina… A resposta está na proximidade
física das pessoas. O principal modo de
transmissão é a inalação e o contacto nas
mucosas (nariz, olhos, boca).
Confirma que têm sido detectadas
mutações do vírus, e se alguma delas
é potencialmente mais perigosa?
Este coronavírus acumula algumas mutações,
como parte natural do seu ciclo de vida, mas
que não são biologicamente importantes, não
sendo expectável que o torne mais virulento.
Os coronavírus são geneticamente muito
estáveis – pelo menos, até agora têm sido.
Vamos lá ver: a confusão surge porque na
replicação de vírus com genoma de RNA há
introdução de mutações e muitos vírus usam
isso até como forma biológica vantajosa. O
vírus da gripe usa essa capacidade de mutação
em determinadas proteínas para persistir
na população, conseguindo invadir a nossa
resposta imunológica – e é por isso que nós
temos de estar sempre a corrigir a vacina.
Geralmente, o genoma dos vírus RNA têm
entre cinco mil a dez mil nucleótidos blocos
construtores dos ácidos nucleicos: o DNA e
o RNA e este coronavírus tem 30 mil… Daí,
por serem tão compridos, os coronavírus
desenvolveram um mecanismo que corrige as
suas mutações, tornando-os geneticamente
mais estáveis.
Como interpreta a relação entre
o crescimento do número de infectados
e a sazonalidade?
A questão é pertinente e leva-me à definição de
vírus endémico (quer dizer pertencente a uma
região). Ora, os vírus endémicos respiratórios
são tipicamente sazonais. E assim sucede
porque se adaptaram às estações: as pessoas
estão em espaços fechados, mais juntas e com
mais contacto, precisamente no Inverno. A
partir daí, há mais oportunidade de infecção no
Inverno e menos no Verão – também é nesta
estação que os raios ultravioleta (a que os vírus
são muito sensíveis) têm maior significado.
E aqui se estabelece uma sazonalidade que
é lógica. Em contraponto, numa situação
pandémica, como há uma população susceptível
tão grande, já esse efeito da sazonalidade não é
tão marcante, esbate-se mais.
O que nos diz, hoje por hoje, a evidência
científica em relação aos verbos
contagiar, testar, imunizar?
Vamos aos verbos. Contagiar: o vírus
dissemina-se muito bem e com muita
eficiência porque a maior parte das infecções
são assintomáticas e invisíveis, o que torna
as pessoas muito contagiantes. Testar:
precisamente porque há infecções invisíveis,
é importante identificá-las, e a única maneira
de o fazer é testando. Imunizar: naturalmente
ou artificialmente (através da vacina) é a única
forma de parar a pandemia.
Está confirmada a origem
do SARS-CoV-2? E o vírus
transmite-se aos animais
domésticos e de companhia?
Mesmo ainda sem evidência, é sabido que
os morcegos albergam muitos tipos de vírus
conhecidos por coronavírus. Não se sabe ainda
se terá sido um vírus que foi directamente
transmitido pelos morcegos ou se havia um
hospedeiro intermediário – pode até ter sido o
pangolim, mas até agora não há certezas. Que
foi um animal – isso é inequívoco; os vírus
não surgem por geração espontânea. Têm de
vir de algum lado, de um suporte vivo, seja
ele o morcego, o pangolim ou outro animal
exótico. O que seria interessante é saber
se foi uma coisa fortuita ou se veio de uma
quinta onde são produzidos intensivamente
estes animais selvagens. Relativamente à
transmissão do vírus aos animais domésticos
e de companhia, importa dizer que há muitos
anos que evoluímos com eles. É possível que
os humanos sejam potenciais transmissores
deste coronavírus aos animais, estudos
experimentais já o demonstraram.
Como avalia os índices de letalidade
do novo coronavírus em Portugal e no
Mundo?
Portugal tem um índice de cerca de 132 óbitos
por milhão de habitantes. Há países cujo rácio
atinge os 800 óbitos. Na comparação, é óbvio
que o nosso desempenho reflecte o modo como
É muito
importante que
o medo não
nos paralise.
Estamos
numa fase
em que temos,
forçosamente,
de ter respeito
e receio – mas
não medo